OS PROFETAS DA DESGRAÇA
Um dia, num Verão "quente", já perdido nos tempos, no Estádio da luz ( no antigo ), quando cheguei com o Gonçalo Prego, para avaliar quão quente ia esse Verão, fomos recebidos por uma verdadeira guarda de honra.
Centenas de adeptos aglomeravam-se em frente à porta principal do estádio. O treinador estava prestes a ser despedido.
Quando cheguei, juntamente com o Gonçalo ( o cameramen ), fomos obrigados a passar por essa guarda de honra de sócios e adeptos que "espumavam" pela boca, ávidos de encontrar um culpado: nós, os que por ali apareceram.
Do meio da multidão surgiu uma frase que até hoje mantenho clara na minha cabeça: "Aí estão os profetas da desgraça".
Vem isto a propósito do suicídio de um menino, em Braga.
Vem isto a propósito de um "mea-culpa".
Não pretendo ser o "moralizador de serviço", até porque também eu pequei. Cometi um erro. E, é por mim que falo, apesar de todos os orgão de comunicação social terem cometido o mesmo erro.
Os profetas da desgraça!
Por vezes é isso que somos!
Não acho, no entanto, que sejamos tanto assim. Acho até que se não fosse os jornalistas a desgraça era maior.
Tenho orgulho, respeito e adoração pela minha profissão. Puno-me mais ainda, por isso.
O menino de Braga, humilhado na escola, terá colocado fim à vida. Deixou de aguentar tamanha humilhação.
Quinze anos de vida.
O meu filho fez este mês catorze. Podia ter sido ele. O meu ou o de qualquer um de nós. E, até disso nos esquecemos. Até ontem.
Mostrámos a cara, divulgámos o nome, violámos e violentámos.
Pela minha parte, involuntariamente, até ter sido alertado para o facto. Penso que pela parte de todos os outros também.
Fomos descuidados. Imprudentes.
Era um menino. Não devia ter morrido menino. As almas bonitas não devem partir cedo.
Menor de idade, e por isso, objecto de proteção legal especial em termos de direitos fundamentais.
Citar o nome dele - uma vez que tal significa identificá-lo, situação que deve ser evitada em relação a menores de idade e em situações de fragilidade ( óbvias, neste caso, para a família), foi um erro. Generalizado. Eu, cometi-o!
Não creio que algum de nós o tenha feito deliberadamente.
Talvez, fruto da "velocidade" a que corre a informação. Um descuido. Sobretudo, um tocar de campaínhas dentro das nossas/minha consciências.
Se algum camarada meu não o fez, peço que não se identifique com o que acabo de escrever.
Hoje, depois de reflectir, peço perdão, enquanto jornalista, aos pais, aos amigos, à família do menino.
Ontem, enquanto apresentava notícias revelei o nome, em todas elas. Alguém me alertou para o facto. Baqueei. Irritei-me comigo. Até hoje. Até agora.
O meu perdão não repõe a serenidade nem acalma os corações daqueles que perderam um menino. Quinze anos. Um menino. Nenhum menino deve morrer menino.
Hoje, ontem, sem que o tenha feito de propósito, senti-me um "Profeta da Desgraça", por não cuidar dos outros, por ter falhado na minha profissão, na minha missão.
Podia ter sido o meu menino. Bastava pensar nisso, porra!
ZGQ