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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

22.09.16

A EVANGELIZAÇÃO


The Cat Runner

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Hoje não fomos correr.

Saímos do trabalho com uma hora e pouco de diferença, trabalhamos juntos, oh deus, é verdade, e a meio da tarde já lhe tinha perguntado (é inevitável misturar o pessoal com o profissional, quando se trabalha junto há uns 17 ou 18 anos, todos os dias, no mesmo local), vamos correr a que horas?”.

Hoje acho que não vou”, respondeu-me.

“Ok, achas que consegues o off para abrir o noticiário das 16 horas?”.

“Claro, e vai à bolsa que estão lá mais dois off´s e um vivo”.

Ainda levantei a questão da corrida de domingo, mas fui imediatamente confrontado com um facto indesmentível, como que a dizer, vamos trabalhar:

“Nos últimos 30 dias fiz 26 corridas, hoje vou descansar”.

Contra factos, diz o povo, não há argumentos.

O povo tem sempre razão, mesmo quando a não tem.

Efectivamente, já lhe noto os gémeos mais torneados, as ancas mais sólidas.

Mas, eu sou toldado pelo passar dos tempos, juntos, suspeito, por isso.

Mas, nota-se.

Sentados nos sofás da sala, ela falava com alguém ao telefone.

O filho chegava mais tarde, do treino.

Aproveitava, ela e eu, o momento de pausa.

Puxei a box atrás e comecei a ver a entrevista da deputada Mariana Mortágua.

Vou ser sincero; já a apreciei mais.

Até já me identifiquei com ideias dela, mas os trejeitos, os olhares, o desdém, as expressões, que é o que mais conta na comunicação, começam a fazer-me olhar para ela com alguma apreensão.

Por isso quis ver a entrevista.

Enquanto se trocavam os primeiros argumentos, a meu lado, uma conversa.

Normalmente não escuto as conversas dos outros, mas aqui foi inevitável.

Uns dois metros nos separavam, de um sofá para o outro.

Baixei o som da televisão e meti-me à escuta.

Portanto, vou divulgar uma conversa que ouvi.

Com autorização.

Transformo-me neste momento num verdadeiro e consentido cusco.

Não fomos correr, mas a conversa era sobre corrida, exercício.

E, o que eu gostei do que ouvi, da conversa, porque da entrevista pouco vi.

Quero dizer, olhava, mas não ouvia.

O meu interesse era outro.

A conversa versava mais ou menos dentro desta ideia;

“É muito bom, a todos os níveis”, isto a propósito de ser confrontada com o facto de “nem sequer 200 metros fazia, por dia”, pior, “quando subia as escadas chegava a arfar”.

Observei os trejeitos de Mortágua, e o olhar, continuei a escutar a conversa, ao telemóvel.

“Em 30 dias consegui fazer 26 corridas”, mas o inverno está à porta, e à noite só correu umas duas vezes, comigo.

“No inverno vou para o ginásio, meto o saco no carro e sigo”, eu também acho que é o melhor, porque “de manhã, se não tiver tempestade, ainda vou, mas ao fim do dia...”

Bem sei o que é isso de vir do trabalho, rumo à lareira e aos cobertores, mas parar, para trocar de roupa, enfrentar o frio e a chuva, o escuro e o suor, muito mais difícil que ir de manhã.

Fiquei a saber que (ela) nunca funcionou tão bem, que nota diferenças, na pele, na respiração, na concentração, na verdade, sem saber, ela está é a queimar etapas.

Há-de dar-se conta, no domingo que vem.

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“Bebo mais água”, ouvi-lhe, “tenho semanas em que descanso um dia, mas tento manter a frequência”.

Olhei para a televisão, sem som, e por momentos pensei escutar uma outra pessoa, alguém que não conhecia.

E, continuava a gostar do que ouvia.

A explicação sobre o facto de os filhos já quase serem independentes nas tarefas, o que liberta o tempo e a agenda, os horários dos ginásios, já iam em hipotéticas fórmulas para gerir os intervalos do tempo, fazendo exercício.

Por exemplo, depois de deixar os miúdos na escola, até seguir para o trabalho.

A conversa acabou com gargalhadas. As dela, as da pessoa que estava no outro lado da linha, e as minhas.

“Um destes dias vamos aos...aos jogos olímpicos dos reformados, não, dos séniores, não, não, dos veteranos, isso, qualquer dia estamos tão em forma que vamos a uns jogos olímpicos quaisquer”.

Até podem nunca ir, mas uma coisa eu aprendi a ver a Mortágua, sem som, isto da evangelização funciona mesmo.

Evangelizou-se e espalha a mensagem.

Ela que é gente com ideias próprias, a Carla, que a Mortágua não corre comigo.

Nunca, em trinta anos, sentido figurado, a tinha ouvido sequer pronunciar a palavra olímpicos, quanto mais rir à gargalhada com isso.

Ela ria à gargalhada porque corre.

Depois fui jantar, que o meu filho chegou do treino.

Acabei por não ouvir a Mortágua, mas prometo que amanhã vamos correr juntos, que domingo é o nosso dia.

Até porque o inverno ainda não chegou!