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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

07.02.14

AO RODRIGO CABRITA


The Cat Runner

 



Ao Rodrigo Cabrita


 


Durante doze anos apresentei programas de desporto.


Uma linha recta. Um assunto, cheio de semi-assuntos. (fazia tudo o resto, directos, reportagens, tudo o que compete).


Sem essa escola, a do jornalismo desportivo, tería ficado amputado, profissionalmente. Provavelmente. Foi"a escola".


Depois, durante quatro anos, estive afastado da apresentação.


Nesse espaço, no tempo, tive a oportunidade de, pela primeira vez, contactar cara-a-cara com realidades, vidas, pessoas, espaços, histórias, igualmente reais.


Como no desporto.


Apenas diversas. Cada uma delas, uma história de alguém. Quase sempre sem final.


Fiz muita reportagem de Sociedade - a esquadra de polícia de uma redacção; a equipa das "ocorrências", que sai em patrulha - directos, entrevistas, jornalismo.


Uma experiência, ao fim de doze anos.


Há um ano e pouco, a 19 de Janeiro do ano passado, voltei a apresentar notícias.


De desporto também!


Outro desafio.


Pela primeira vez estava a apresentar noticiários gerais. O estilo, o registo, a forma, os conteúdos, os assuntos, os convidados, os temas, tudo tão novo, ao fim de tantos anos e tamanhos desafios.


Estava como que a começar tudo de novo. Como se fosse a primeira vez.


Desde o dia em que entrei na TVI, pela porta principal - no tempo crucifixo na parede (bons tempos) - até hoje, passaram quase 19 anos.


Acho que tenho percorrido todos os caminhos que se me depararam, enquanto jornalista. Foi assim que foi.


Ganhei defesas, técnicas, consciência, receio, alegrias, comoções. Fiz-me, também, mais homem.


Gosto de televisão, como o Rodrigo Cabrita gosta de fotografia.


Gosto de fotografia mas gosto mais do Rodrigo.


Conheci o Rodrigo, há muitos anos, no futebol; não me recordo como e onde, desculpa, Rodrigo.


Acho que não me recordo, porque foi tão natural; teríamos começado a falar de coisas banais numa qualquer conferência de imprensa pós qualquer match, num qualquer estádio.


Pelo meio uns jogos de futebol.


O Rodrigo tem-se cruzado mais vezes, profissionalmente, com a minha mulher. Em campanhas eleitorais, comícios, congressos partidários, e por aí fora.


Poucas vezes, naqueles quatro anos em que "voltei à rua", qual polícia de turno, que saía com o seu parceiro, para uma qualquer ocorrência, me cruzei com o Rodrigo, no terreno. Umas duas vezes, talvez.


Mas, há muitos anos, o Rodrigo encontrou-se comigo, com a minha mulher e com o meus dois filhos, pequeninos.


Foi num fim de semana no Monte. Casualidade. Demos de caras uns com os outros, sem que nada o fizesse prever.


Nós gostávamos muito do Monte do Sobral e do engenheiro Marco, altivo, lavrador senhor, com aquele traço fino e intenso do código genético que provinha das raízes geneológicas italianas.


O Rodrigo, o meu filho, a Maria, a minha filha, "caíram nos braços" do Rodrigo e da namorada (na altura), literalmente.


Caíam e voavam, entre gargalhadas que batiam contra o sol que aquecia a planície.


De repente, aquela piscina e esse sol que só existe no Alentejo e na planície, ganhou uma alegria que se estendeu aos dois Labradores, um casal de namorados eterno, até quando ambos se separaram pela inevitável morte.


Parecia que passávamos fins de semana juntos, desde sempre. Nós, que só nos cruzávamos, raras vezes, em trabalho.


Desse dia - eles partiram no dia seguinte - ficou o azul da piscina, os sorrisos do Rodrigo e da Maria, as fotos, as gargalhadas e uma certeza: O Rodrigo Cabrita era um excelente fotojornalista, trabalhei a seu lado, acompanho os seus projectos - este novo, também - mas era, seguramente - confirmei ao longo dos anos - um ser humano, daqueles que há poucos. Fabricam-se poucos.


Tempos depois, visitou-me, num restaurante que eu levei à falência.


Mas, era giro e até tirámos uma foto.


Desde então, os encontros contam-se pelos dedos de uma mão, e sempre em trabalho, e agora menos que tenho funções mais na redacção.


Mas, vou seguindo as pistas que o Rodrigo vai deixando na caminhada dos dias.


Hoje, escreveu ele no Facebook, qualquer coisa como:


"Dia de folga. Saio para um trabalho. Chego, sento-me, ouço a história, e no fim, não fui capaz de fazer um único disparo...hoje não tenho forças para mais. Só quero estar com a minha família".


Se no fim de semana do meu regresso cheguei em cima da hora do primeiro noticiário, porque apesar de ter saído de casa com tempo, o indicador de combustível do carro me enganou e fiquei sem gásoleo a uma hora de entrar no ar, ao fim de quatro anos, tendo sido isso stress suficiente para não me esquecer, logo no fim de semana  a seguir ao meu "comeback" televisivo, manhã cedo, um autocarro cai numa ravina.


O primeiro noticiário era ás 9h. O autocarro tinha-se despistado perto das oito da manhã. Tinha acabado de acontecer.


O "take" indiciava uma tragédia. O tal "feeling", que - infelizmente - não vem na nossa "caixa de ferramentas profissional .


Um autocarro, manhã cedo, cai numa ravina, a probabilidade de ter passageiros existe, mesmo não havendo passageiros, haveria, seguramente, um motorista. Uma pessoa.


Como sempre acontece nestas situações, os olhos não descolavam do "take": autocarro que vinha de Portalegre desistou-se numa saída do IC-8, perto da Sertã, e caiu numa ravina.


A emissão especial, sem fim à vista - desde então tem-me acontecido algumas e ainda bem - sem rede, em directo, com pouco mais para acrescentar que não o conteúdo do "take", começou ás nove em ponto.


Não me recordo quando acabou.


Recordo-me de, no caminho para casa, ligar aquela teia de caras, de sons, depoimentos, cronologicamente, editando o meu próprio olhar sobre aquele dia - outros intensos têm havido - e é nessa viagem de regresso, que me consciencializo que a viagem na qual embarquei todo o dia, de manhã até noite escura, foi real. E, voltei a sofrer com isso.


Uma das nossas equipas, que cobre a zona centro, chegou ao local pouco depois de a emissão - aquela, dolorosa - ter começado.


Fomos mantendo a emissão com directos ao telefone, primeiro os repórteres, depois forças de segurança, de socorro, testemunhas. O tempo foi correndo. A história estava a começar.


Os mortos começavam a ser retirados, os feridos assistidos.


O telemóvel tinha, nesta altura, dado lugar aos carros DSNG (directos), ás câmeras e aos microfones.


Ao longo de longas horas, fiz perguntas, ouvi respostas, relatos, imagens, ao longo delongas horas, em directo.


Vivi a história do princípio ao fim, por dentro, longe, mas lá, através dos camaradas - é esta a designação entre jornalistas, nada de carga simbólica negativa ou não - das pessoas e das imagens.


Cheguei, finalmente, a casa.


A lareira estava acesa.


Cabeça a latejar. Garganta enrolada num nó. Corpo dez vezes mais amassado do que quando corri a minha primeira meia-maratona.


Se estar de rastos era aquilo, eu estava de rastos anímica, emocional , psicológica e fisicamente.


Pela primeira vez em muitos anos.


AO longo desse dia longo, utilizei todas as ferramentas, que fui adquirindo, ao longo dos anos, todos os filtros que se imagina, todas as técnicas que me ensinaram. E, resisti.


Cheguei, finalmente, a casa.


Decompress!


Não me lembro de ter adormecido.


Hoje, o Rodrigo não conseguiu disparar um clique sequer.


Há dias em que quase não consigo abrir um noticiário.


Não há filtros para a alma. Por muito que a capa de Super-Homem nos assente bem.


Não somos super-homens. E, custa-me tanto quando nos tratam, aos jornalistas, como uma floresta. Um todo. Mal. Tratam-nos mal. Olham-nos mal.


Usam-nos como filtro de frustrações, de regozijo, como pensam que nos devem usar.


Nós, jornalistas, somos a culpa de todos os males do mundo, de todos os mundos.


Mesmo, aqueles que tombam, com uma máquina fotográfica ao peito, uma câmera de televisão ao ombro, um microfone na mão e a realidade na voz.


Até esses, que arriscam ir quando nós ficamos e morrem por amor, até esses carregam o estigma.


Faz parte. Era só uma constatação. Quem quer está, continua, quem não quer muda. São os riscos.


Estes e tantos outros.


Mas, custa-me.


Magoado até, por não haver olhares sinceros.


 Porque custa - muito - ser enorme profissional, como o Rodrigo cabrita é.


Mas, custa mais ainda, ser-se pessoa de excelência. Como ele é. E o tempo não engana.


Não há filtros para a alma, mas também não há filtros para o coração.


Depois, há o jornalista. Só depois.


E, ás vezes, digo só para mim: " hoje não tenho forças para mais, só quero estar com a minha família".


Como o Rodrigo!


Porque, há histórias que nunca iremos conseguir contar à primeira. Provavelmente, nunca. E, isso não é, forçosamente, algo de mau.


Não é, não senhor.


As grandes lições são assim, Rodrigo, iguais aquela que hoje me deste.


Obrigado.

06.02.14

A COPA A PRAXE E A GIRAFA


The Cat Runner

É pouco relevante se já fui praxado.


Ao contrário; não tenho opinião, (ainda) consistentemente formada sobre as praxes.


São seculares, mas só agora motivaram reflexões, discussões, tomadas de posições.


Aconteceu uma tragédia, e pela primeira vez, que me lembre, passou a haver o lado pró e o lado anti, como em quase tudo. É a condição humana sem que dela nasça qualquer coisa de nefasto. Pelo menos ouvem-se verdades, mentiras. Escutamos os políticos - porque tudo é política - e por vezes desviamos atenções. É a condição humana, meu caro(a).


Por ser uma discussão, no imediato, tão ainda a quente, com tanta explicação por dar e pessoas por ouvir, a opção que me pareceu mais segura foi a de não formular uma opinião (ainda), não tomar uma posição (ainda) e não comentar o assunto, no que à minha própria visão do assunto diz respeito.


Parece-me auto-prudente e sensato.


Se até aqui não tinha reflectido sobre o assunto, a partir daqui é o que tenho feito, não que isso me obrigue a ter uma opinião estática, pró ou contra (ainda).


Um dia, quando tudo acalmar - como se algum dia fosse acalmar as saudades e a dor - talvez, talvez tenha uma opinião mais consistente sobre este novel fenómeno português, as praxes. Por agora (ainda) não tenho mas, reconheço;


Elas estão no meio de nós!


Todos os dias, desde meados de Dezembro do ano passado.


O que aconteceu no Meco é - caso não tenhamos dado conta - uma ferida colectiva que nunca irá fechar. Em carne viva.


Ficou escrito. Morreram pessoas. Sobreviveram outras. Destruiram-se vidas. É uma marca colectiva, e um dia, se houver responsáveis pelo que aconteceu no Meco, ficará o sentimento colectivo de que "se fez justiça", e passados anos, o caso só será lembrado na "revista do século".


Entendo melhor o lado dos que defendem as praxes.


Mais dificuldades para entender os que são agora contra.


Se praxe é um rito de iniciação, que leva à tal integração, então aqueles que defendem as praxes estão cobertos de razão.


Elas estão no meio de nós! Eles são coerentes. Defendem tradições com as quais se identificam e que são parte de determinado período da sua vida, do seu crescimento como seres humanos.


O vídeo que circula nas redes sociais e que mostra a recepção aos caloiros na Universidade de Standford (que produz génios) em nada é diferente da recepção aos caloiros em Coimbra, a terra da praxe.


As diferenças são apenas culturais, locais. As vestes coloridas, a festa com sorrisos e cores, a vestes negras, a festa com serenatas e imperiais (qb).


Lá assumem a tradição "à americana".


Cá assumem-na "à portuguesa".


Provavelmente, se o Meco fosse nos EUA, os veteranos de Standford também teríam idêntica reacção à dos portugueses, sobretudo, os de Coimbra. Praticamente todos os que se identificam com Standford ou com a cidade dos encantos.


Se praxe é o que acontece em Standford, onde os veteranos recebem os caloiros em festa, ou se é o que acontece em Coimbra, onde o rito é secular, então roubo aqui uma peça para o puzzle que estou a construir e que pode ajudar-me a formular uma opinião sobre as praxes.


Não me choca. Não choca. Não humilha. Integra.


São o Norte e o Sul onde não me importava de ser praxado. O côncavo e o convexo onde gostava de ser integrado. O ovo nasceu primeiro que a galinha. É proveta. Nasceu em estufa. Só depois cresceu.


Há coerência.


Entendo menos bem a catadupa - a esmagadora maioria das pessoas - que estão contra as praxes.


Há vinte anos, pelos menos, que me lembro de ver miúdos e miúdas em fila indiana, presos por cordas ao pescoço que os ligam a todos a caminhar por Lisboa, com enormes orelhas de cartão, de burro, pintados. E outras cenas. Vejo eu e vê toda a gente. Há, pelo menos, vinte anos.


Só depois da tragédia do Meco é que deram conta que isto acontece. De repente.


Andaram distraídos ou é apenas o impulso do momento.


É transversal: professores, reitores, alunos, ex-alunos, jornalistas, redes sociais, o Meco e as praxes e a indignação repentina sobre algo tão antigo como a "Universidade".


O debate vai trôpego, como uma amálgama de ferro de opiniões.


Hoje, todos nós falamos sobre as praxes. Eu estou a falar.


Mas, porquê só agora?


Porque morreram pessoas.


Já antes morreram pessoas. Já antes pessoas ficaram com as vidas quase destruídas, numa cadeira de rodas.


Porquê só agora?


É que, se praxes for o que acontece em Standford e em Coimbra, "à americana", colorido, ou "à portuguesa" negro e fado, então os que defendem as praxes começam a ter a minha admiração, sobretudo, o meu entendimento.


Se praxes é os meus filhos serem levados à mais baixa condição humana,  por seus semelhantes, então, peço desculpa aos que são contra as praxes pelo que acabo de escrever.


Mas, eu não tenho opinião. Só tenho estes dois posicionamentos, que é o que me é dado a saber, a ver, a conhecer. Nada mais tenho. Nem opinião.


O que me aflige é que, tenho quase a certeza, nunca irei ter a resposta para a minha dúvida.


O que aconteceu na praia do Meco foi macabro.


O que tem sido tornado público é assustador.


Os rituais são quase satânico-mafiosos. Rituais puros. Magia vestida de negro, negro morte, negro pavor, negro terror.


Isso, meu caro(a), isso é obscuro, tétrico, do domínio do horror, da Justiça.


Seitas secretas,  nefastas a uma sociedade aparentemente democrática.


O que aconteceu no Meco pode ser praxe ou no domínio da praxe, como defende uma corrente.


Como defende a corrente oposta, isso só é relevante na medida em que despoletou esta tal discussão generalizada e esta ferida que nunca mais vai sarar.


O que eu defendo é que não estamos a conseguir ter a lucidez para separar as coisas.


Estamos a falar de coisas diferentes. Uma discussão que se abriu em torno de um facto -as praxes - na sequência de um acontecimento trágico e de um acontecimento trágico. Ponto.


E, caímos na tentação de colar um e o outro como se fosse um só. A árvore pela floresta.


Apetece-me perguntar: em que é que ficamos?


É que, no meu tempo de escola, beber uma "copa" era ir ao "Espeto Real" virar umas "girafas"!


Daí a girafa da foto. Faz todo o sentido.


Isto tudo é que não faz sentido nenhum! Pelo menos para mim.